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Anchieta e seu companheiro Padre Manuel da Nóbrega
eram então reféns dos índios tamoios, aliados dos france-
ses, na luta contra os tupis, amigos dos portugueses. Ele foi
ameaçado de morte pelos índios, enquanto tentava nego-
ciar um armistício. “Aparelha-te, José, farta-te de ver o sol,
porque tal dia te mataremos e comeremos”, gritavam os
tamoios, prometendo assá-lo nos rituais de antropofagia de
suas festas. O missionário disse que isso não ia acontecer,
porque a Mãe de Deus não queria que ele morresse antes
que escrevesse a vida dela.
Além de se livrar do tacape dos tamoios, Anchieta tinha
de se proteger do assédio das índias que perturbavam sua
castidade. “Estou morto”, ele respondeu a uma mulher que
lhe perguntou se estava vivo ou morto, quando perma-
neceu em silêncio diante de seus apelos, na escuridão da
noite. Os índios, relatou o jesuíta em carta a seus superio-
res na Europa, “têm por grande honra, quando vão alguns
cristãos a suas casas, dar-lhes suas filhas e irmãs para que
fiquem por seus genros e cunhados”. Foi o que aconteceu
em Iperoig. “Quiseram-nos fazer a mesma honra, oferecen-
do-nos suas filhas e repetindo-o muitas vezes”.
José de Anchieta nasceu em 19 de março de 1534 em
San Cristóbal de la Laguna, em Tenerife, nas Ilhas Canárias,
pertencentes à Espanha. Foi para Coimbra, aos 14 anos de
idade. Em Portugal, ingressou na Companhia de Jesus em
1551, dois anos antes de embarcar para o Brasil numa expe-
dição de missionários. Era ainda estudante e, como sua saúde
era muito frágil, precisou insistir muito para ser admitido
na missão. Viveu 44 anos no País e, ao lado de Manuel da
Nóbrega, foi um dos fundadores do Colégio de Piratininga,
onde nasceu a cidade de São Paulo.
n
* José Maria Mayrink é jornalista de “O Estado de São Paulo”.